quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Por que sorrir?




Sorrir, sorrir por toda dor que não foi sofrida em vão, sorrir pelo calor feliz do sol e pelo molhado sábio das lágrimas. Sorrir pelo que passou e que tem toda a chance de retornar, sorrir pelo necessário fim, que faz com que a vida seja tornada maravilhosa a cada pequeno detalhe. Sorrir pela simplicidade de um sorriso sincero, sorrir pelo símbolo maior do sentimento maior humano, sorrir com a felicidade e o brilho dos olhos de uma criança.

Sorrir por todo o trabalho realizado, sorrir para não padecermos diante das certezas tristes, sorrir, não para que esqueçamos todo o sofrimento, todas as bombas, todas as guerras e todo o sangue, mas sorrir para que tenhamos a capacidade de ser um futuro melhor hoje. Sorrir por tudo aquilo que já se foi, sorrir, porque a infinitude não possui a graça do efêmero.

Sorrir por toda a intimidade compartilhada com aqueles que amamos, sorrir pela incansável insistência das flores, que nascem no asfalto, no deserto, diante do absurdo, da morte desnecessária e diante de toda a dor que o ser humano causa em si mesmo e naquilo que é natural.

Sorrir porque as lágrimas se acabaram todas, despejadas diante de uma tristeza tão infinita que não pode mais ser enfrentada senão com a delicadeza, a sensibilidade e a compreensão. Sorrir por aquilo que valeu a pena, sorrir pelo que pode valer a pena, sorrir inclusive para que tudo o que não vale a pena possa adquirir um pequeno encanto.

Sorrir pela força, sorrir pela energia, sorrir pela superação, sorrir pela conquista de tudo aquilo o que não pode ser dominado ou controlado, sorrir pelo que pode ser conquistado através do amor, da beleza e do encanto, sorrir pelo que é conquistável por meio da permissão.

Sorrir para que possamos nos permitir sorrir.

Sorrir pelas pessoas que caminham sozinhas na rua, sozinhas em seus pensamentos conjuntos, sorrir pelas aves que voam e nos lembram que somos humanos, e portanto impotentes.

Sorrir pela liberdade que é tanta que chega a sufocar, sorrir pela angústia e por todas as terríveis sensações inexplicáveis, sorrir pelo pânico e pelo desespero, sorrir pelo aprendizado que os maus momentos nos trazem. Sorrir pelo tempo, sorrir pela memória e pelas lembranças, sorrir pelos nossos avós, os mortos e os vivos.

Sorrir, porque chorar é muito pouco.

Sorrir, não por apelo, por necessidade ou pela terrível e sistemática obrigação de sermos felizes, mas sorrir por aquilo que machuca, sorrir por aquilo que nos lembra da nossa frágil condição, sorrir pelo amor poder ser expressado através do toque de dois lábios, expressado pelo canto de dois pássaros, expressado nos passos que não são solitários.

Sorrir pelo momento mais nosso que é a solidão, sorrir pelo amor próprio e para o bem alheio, sorrir como uma oração necessariamente diária, sorrir pelo agradecimento, não pela piedade ou pela culpa, mas sorrir pela coragem. Admitir que o sorriso é uma postura política diante das mazelas.

Sorrir de forma consciente, sorrir e estender as mãos, sorrir e ceder a roupa do corpo, sorrir e permitir que alguém não sorria, sorrir depois de literalmente chorar nos ombros de um amigo. Sorrir porque nasceu um filho, sorrir para demonstrarmos aos nossos pais que seus esforços valeram e valem a pena.

Sorrir, porque se não sorrirmos, as luzes se apagarão. Sorrir, porque se não sorrirmos, pode ser que deixemos de ser. Sorrir pelo ódio, que foi incapaz de deter a sensação pura que assistir ao vôo de uma borboleta causa. Sorrir pela duração imensurável de um momento inesquecível, sorrir pela momentaneidade da vida e da existência.

Sorrir, porque existir também é pouco.

domingo, 2 de agosto de 2009

Insensações

"Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.

A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão."


Caio Fernando Abreu