sexta-feira, 25 de maio de 2012

Pânico (s)em sentido





Pânico é estar ausente de si mesmo. É deixar o vazio da existência preencher o nosso ser. É permitir a ausência de sentido conquistar nosso presente.

Passado e futuro só podem existir no agora. É só no agora que existem porque só o agora pode construí-los - toda empreitada é imediatista, objetiva mediatizar o imediato. O sentido é sempre forjado no instante-já. Por isso a existência precede a essência, tal qual a ação precede a ideia, tal qual a experiência precede o relato - o que não impediu a filosofia ocidental europeia de inventar uma ordem natural imutável a priori, uma abstração metafísica fundamental e uma argumentação dialética sobre as ilusões do real.

A náusea sufocante, que dói na espinha e gela o peito, que põe em vertigem o corpo inteiro, que percebe a essência do ar rarefeito - a pior das dores emocionais é consciência da ilusão, que passa a des-iludir. A desilusão fundamental é a morte. A morte é o motor vital do humano. A carne vai perecer. Da mesma forma, a felicidade, a aventurança, os momentos singelos, as grandes conquistas políticas, as emoções mais confiáveis, os lugares mais belos, as experiências mais singulares, os toques mais leves, os contatos mais saborosos, as certezas mais tenazes, as despedidas mais intensas, as lágrimas mais rosas, as florestas mais encantadoras, as lembranças mais mágicas, as atitudes mais corajosas, as inefáveis obras artísticas.

A morte é a experiência dúplice da inexistência: quem morre experimenta a inexistência assim como quem ainda vive. Será? Experimentar é uma categoria humana? É da consciência do existir que deriva a experiência? Ou o não-ser também experimenta? O que não é experimenta? A inexistência pode ser experimentada? Mais acabadamente: a inexistência tem existência? Ou se trata de um pequeno disfarce, uma arapuca de linguagem? Se partirmos do pressuposto do existente, captar a inexistência é necessariamente dar-lhe uma existência, ainda que em instância linguística. A ideia ficaria mais simples se disséssemos: a inexistência inexiste, e só existe a existência. Tautologias pedagógicas, ensinando lições básicas de ontologia. O ser é. O não-ser não é. A existência existe. A inexistência inexiste. No entanto, ao questionarmos sobre a possibilidade da inexistência adquirir existência, ainda que numa instância meramente linguística, estamos diante de uma ruptura filosófica, posto que nosso foco epistêmico se altera.

O que quero conhecer? O que vou ou o que posso conhecer? Posso afirmar, de antemão: a existência pode ser percebida. Logo, conhecida. Mas o que ocorre se eu afirmar, concomitantemente: a inexistência pode ser percebida. Se percebemos a inexistência, não lhe damos existência com nossa cognição? Não é nossa linguagem, semioticamente, que cria esta miragem? Esta miragem, este holograma invisível, esta abstração cognoscível não passa, desta forma, a existir concretamente? Não é concreta ainda que impossível de ser captada pelos cinco sentidos humanos? Não existe, de fato? Se conhecemos a uma ausência, metafisicamente desenhamos uma presença. A presença da ausência faz renovar semiologicamente o significado do ausente, que, assim, movendo-se com seus significantes, torna-se presente. Com um detalhe: está presente no presente, mas é presente passivo, presentemente construído sem protagonismo próprio, apenas alheio. A ausência ressignifica a presença, lapida e talha em novas fissuras a figura do ser presente que, ausente, faz com que se experimente a presença de sua ausência, que, assim degustada, também ganha concretude - ainda que metafísica, abstrata, num nível semiológico -. E o ser passa a ser concebido em integração com seu dúplice metafísico, falseado por abstração externa. O ser presente é a soma de sua presença física com a concepção presencial de sua ausência.

A experiência do pânico é terrível porque somos obrigados a experienciar a presença da  ausência total de sentido.