terça-feira, 19 de julho de 2011

Sobre medidas cautelares e prisões temporárias




Um amigo me perguntou o que eu achava da nova lei das medidas cautelares e prisões temporárias. Respondi assim:

Primeiro, todas as leis, aprovadas ou engavetadas, expressam uma disputa de valores em torno de uma questão social. A aprovação ou o engavetamento (só para nos limitarmos a estas duas metáforas) são ambos representações. Representações são símbolos. Estes símbolos são a expressão de como o jogo político está se desenrolando: quem está ganhando, quem está perdendo, quem está bem na fita, quem está devendo, quem está com crédito, quais nichos ou grupos de interesse estão colocando na agenda política do país a sua pauta local.

Feita esta ressalva, confesso, não parei para analisar quais são as negociações políticas que antecederam e perfizeram a natureza da aprovação da nova lei de medidas cautelares.

Aqui, vou entrar na técnica para te explicar. Existem dois tipos de prisão: aquela que é cautela e aquela que é sanção. Cautela é quando você tá causando problemas para o processo e precisa ser preso pra esclarecer alguma coisa e/ou até que se esclareça alguma coisa. Ex: há indícios de que você roubou uma loja, mas ainda não foi provado nada, é só um indício. Você está sendo processado. No meio do processo, você decide fugir quando vai prestar depoimento: veja, o juiz vai mandar te prender porque você está atrapalhando a colheita de provas: era pra prestar depoimento e fugiu, tá atrapalhando o processo. Vamos piorar: no meio do processo você faz um roubo com 100000 testemunhas, sai até no jornal. Porra, então você tá conturbando tudo, tem o indício de que cometeu um crime (do qual ainda não foi julgado/sentenciado - não tem pena ainda) e tem prova cabal de que cometeu outro (embora, da mesma forma, não tenha sentença, não tenha pena). Então vai preso.

Deu pra entender o espírito? O lance da medida cautelar é que a prisão é necessariamente temporária: até sanar o problema (o cara fazer o depoimento, o cara parar de cometer trocentos crimes e só voltar a ser preso se for condenado). Sanou, TEM que soltar.

Sanção é quando você é condenado. Vamos supor: você tá sendo processado porque matou alguém. No seu depoimento, você diz: confesso que matei porque tinha ódio. Porra, já era, vai ser condenado. Mas isto é pena. A pena tem várias finalidades: reprimir sua conduta, de modo a instigar segurança no coletivo; te castigar por ter feito merda; te excluir da sociedade porque você é preto, favelado, sem terra, imigrante ou coisas do tipo; (agora é eufemismo) te reeducar para aprender a conviver em sociedade e, depois, te ressocializar.

Deu pra entender até aqui? Agora lá vai a bomba: no brasil, temos cerca de 600.000 pessoas presas, pra arredondar pra cima. Nem vou perder tempo te dizendo quantos desses são pretos ou mestiços e quantos são brancos. Bem, nos EUA são dois milhões de presos. Lá estão presos 25% de todos os presos do mundo.

Ok. No Brasil, 1/3 do total, ou seja, cerca de 200.000 presos não tem condenação. São presos temporários. Isto, na técnica. Na realidade, estavam presos às vezes há 5 anos, 8 anos. O cara fica 'temporariamente' preso um tempo 3x maior que a própria condenação dele (vamos supor, condenado a 3 anos). E a condenação chega depois que ele já tá 8 anos preso. E depois? Alvará de soltura? É claro, mas mesmo o alvará, por negligência ou omissão, demora mais 2 anos pra sair às vezes. O que é mais absurdo, afinal?

Não to excluindo o fato de que muitos caras perigosos serão soltos. Mas quero acrescentar um dado: inúmeros caras que não são perigosos continuam presos.

Percebe como este panorama abala em cheio o nosso direito penal e nosso processo penal? É o que costumamos chamar de insegurança jurídica.

Agora, é claro que a grande mídia vai gritar: ESTÃO SOLTANDO BANDIDOS. ESTE BRASIL É UMA VERGONHA.

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