quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O desejo é privado, enquanto que o interesse é público.



Goethe dizia que a obra de arte poderia desencadear efeitos morais nos seres humanos, mas que exigir uma finalidade moral por parte do artista seria induzi-lo a arruinar a sua própria obra. Penso que com a ciência ocorre exatamente o inverso: a ciência pode não desencadear efeitos morais por sobre nossas vidas, mas exigir uma finalidade moral por parte do cientista é nossa obrigação. Mais que direito, é nosso dever cobrar do cientista esclarecimentos acerca de quais tipos de moral a sua ciência é capaz de engendrar. No mínimo, qual moral ele mesmo pretende engendrar por meio da forja que é a sua ciência.

Nenhuma ciência é despropositada e, por mais que se tente, amoral. Toda produção científica é movida por desejos e interesses. Os desejos são anseios voltados para a esfera da nossa individualidade, enquanto que os interesses são anseios que podem transcender nossa personalidade, e ganharem conotação político-corporativista.

Isso porque é possível exercer um desejo de maneira unilateral. Sozinho, posso concretizar meus desejos básicos, transformando assim a sensação metafísica de necessidade em matéria. Mas meus interesses sempre são motivados e forjados por relações em sociedade. No mais das vezes, os interesses são artifícios criados pelo sistema que acabam por nos introjetar uma necessidade desnecessária, fazendo-nos crer veementemente que sua realização fática nos trará benefícios.

Freud define o desejo como uma moção psíquica que procura restabelecer a situação da primeira satisfação. Assim, o desejo é a vontade de repor a coisa almejada em um espaço-tempo constante, donde pudéssemos compartilhar de seus benefícios num contato direto entre sujeito cognoscente e objeto cognoscível. Ocorre que o desejo é factual, na medida em que o sujeito já tivera, efetivamente, contato com aquilo que almeja. O desejo não é racional, mas instintivo. Afinal, o busca pelo prazer, tanto físico como metafísico, é um imperativo vital.

Ao contrário, o interesse é viabilizado por nossas relações em sociedade, que nos fazem acreditar na existência de fatos e objetos que, em realidade, são essencialmente falsos, meros factóides e meras ficções. O sistema nos indica a exata medida e dimensão dos nossos desejos, de nossos sonhos, até mesmo daqueles anseios aparentemente mais íntimos.

E embora seja a ilusão aquela que nos motiva ter interesses e senti-los como necessidade – pelo fato de nossos desejos terem fundamento no mentiroso mundo dos prazeres, criado artificiosamente pelo paradigma cultural que o sistema propicia –, nossa necessidade se nos apresenta real, apta a ser sentida. Essa necessidade, que nos é alheia, se torna nossa porque se demonstra sensível.

Disso decorre que o interesse não é instintivo, porque nunca se teve um contato a priori entre o sujeito e o objeto, o que constituiria a relação primordial que o desejo contém. O interesse é racional porque é movido por raciocínios aparentemente lógicos que nossa mente despende ao situar e precisar os beneméritos que certas ficções e certos factóides são capazes de nos gerar.

A ciência é movida por desejos pessoais e interesses sociais. O desejo é privado, enquanto que o interesse é público. Pode parecer ironia aproximar orações que são aparentemente tão discrepantes, mas a distinção acima é necessária para que se afirme que a moral forjada pela ciência foi construída a partir de desejos – cuja motivação tem cunho pessoal – e por interesses – morais, econômicos, sócio-políticos. Todo Direito que é ciência, portanto, segue esta regra.

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