
“Em nossa arte é preciso viver o papel a cada instante que o representamos e em todas as vezes. Cada vez que é recriado tem de ser vivido de novo e de novo encarnado.”
STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. Trad. Pontes de Paula Lima. 22. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 47.
- Será que Stanislavski, com esta passagem, acabou por reformular os pensamentos de Nietzsche sobre o eterno-retorno e a vontade de potência que deriva dele? Nietzsche teve a ousadia de pensar que o tempo presente, o momento do instante-já, conquanto em movimento constante, retornará. E o presente momento, com todo o arcabouço de possibilidades que carrega consigo, retornará eternamente. Esta lição significa que sempre teremos em mãos a possibilidade de recriar o mundo a nossa volta. A esta capacidade humana Nietzsche deu o nome de vontade de potência.
Stanislavski, por sua vez, quis captar a mesma fugacidade potencializadora que perfaz o humano e retransmiti-la, artisticamente, no palco – diante de uma platéia. Ambos os autores traçaram caminhos de conscientização política pela própria postura autônoma e independente de afirmar-se uma idéia mediante uma ação, uma conduta, uma atitude também criadora, e portanto inovadora.
O primeiro quis nos afirmá-la por meio de uma filosofia universalizadora, que uniria em uma entidade única o cósmico e o mundano. Seria uma filosofia tão avassaladora que só poderia ser construída sob a negação em cascata da filosofia ocidental de até então. O segundo preferiu a compreensão da alma humana em contornos estéticos e emocionais, preferencialmente na expressão artística da arte cênica. O próprio teatro funciona como uma denúncia. Lírica, poética, inspiradora e original, contudo. E aqui se encaixaria o fator mais humano, a atuação do ator.
Nietzche assimilou ao seu eterno-retorno a vontade potente e criadora do humano como fator de transformação material da realidade. Interpretando-o, Deleuze afirmou que o eterno-retorno, ligado à idéia da vontade de potência, significa o eterno devir criador que recai ao humano. Stanislavski assimilou ao seu teatro-denúncia a emoção em atuar do humano, também criadora e potente, como fator básico de conscientização de seu público, sua platéia. Ambos entrelaçam-se aqui, creditando ao humano, ainda que em sua pequenez cósmica, a potencialidade inovadora de irromper no mundo, não apenas modificando-o, mas efetivamente reformulando-o, reestruturando revolucionariamente as suas bases antigas, recompondo e reorganizando os reais fatores de condução da vida humana, em suas relações sociais, políticas e afetivas.
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