domingo, 6 de fevereiro de 2011

Tudo nosso, nada nosso, queridos amigos.




Tudo nosso, nada nosso


Vivo os dias a sonhar um sonho que não é meu;
Um sonho que não foi imaginado ou inventado por mim,
Mas um sonho que também escolhi sonhar por uma questão de liberdade.

Falo do sonho da grande maioria dos seres humanos
Que por algum condicionamento cósmico,
Alguma determinação nada divina,
Tiveram a audácia e o despudor de conviverem nesta terra.

Vivo os dias a pensar um pensamento que não seja necessariamente meu.
Prefiro pensar pela perspectiva daquele que não sou eu:
Quero pensar o outro.
Porque é apenas pensando no outro
Que se abre sobre mim a possibilidade de me compreender a mim mesmo.

Meus olhos, meus desejos, minhas dores e também meus prazeres:
Quando olho para um canavial e para os bóias-frias
É ali que encontro uma parcela de angústia e dor que eu achei que não me pertenciam.

Minhas idéias, minhas filosofias juvenis, minhas emoções momentâneas:
Quando sinto o passado de meu país,
Constantemente estuprado e explorado em suas riquezas,
Manchado do sangue de todos aqueles que decidiram lutar
Por uma causa que transcendesse o egoísmo do qual somos vítimas assim que nascemos
É que me descubro débil ou forte diante da responsabilidade histórica
Por tudo aquilo que fiz, mas, principalmente, pelo que deixei de fazer.

Assim eu me descubro no ódio e no amor,
Assim eu me percebo sorrindo ou franzindo a testa.
Na pobreza e na fartura, seja a minha ou a sua.

Todos os dias caem dos meus olhos tantas lágrimas
Tantas águas que eu sei que não são minhas.
Que nunca foram dores minhas
Porque eu nunca senti a dor concreta da fome.

Mas há um espelho chamado realidade.
Neste espelho, vejo o reflexo de um garoto
Um garoto mimado ou sensível
Que chora um choro tantas vezes chorado
E que assim se alia ao sonho daqueles que conseguem sonhar,
Que sonham como a única alternativa para continuarem vivendo.

Neste momento, decido que estas lágrimas também são minhas.
E que esta luta, esta luta que achei não ser também a minha luta
É nossa. Minha e sua.

Eu choro os dias para viver uma vida que não seja só a minha vida
Para que eu adquira a parcela de audácia e despudor
Tão necessários para convivermos nesta terra.

Quando um monte de lixo amontoado e empilhado
Forma uma planície que será a moradia de tantas crianças
Crianças tristes, felizes, saudáveis ou doentes
Eu compreendo a futilidade e a estupidez das minhas embalagens descartáveis.

Assim eu me descubro imbecil ou criativo.
Assim eu me percebo atuante ou inerte.

Todos os dias eu escrevo palavras já ditas ou já caladas,
Todos os dias eu expresso idéias e opiniões que não foram por mim inventadas.

Prefiro que o mudo fale pela minha boca.
Prefiro que aquele operário que ficou cego da caldeira
Tenha a possibilidade de enxergar com os meus olhos.

Sem vocês, sem todos vocês, corruptos ou solidários,
Sem vocês, meus amigos, amados ou desgraçados,
Sem vocês eu não sou. Sem vocês eu só me pretendo.
Sem vocês não podemos ser. Sozinhos não existimos.

Sei que sou humano porque identifiquei em vocês a minha fragilidade.
Sei que sou humano porque vocês identificaram em mim a sua fragilidade.

Sejamos humanos, juntos e unidos,
Nossa inevitável fragilidade é o caminho para a universalidade.

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