
Carta de perguntas ao querido Fernando Pessoa
Se hoje sou como sou
Há algum mau nisso?
Se hoje sou mal aquilo que era
Há pecado nisso?
Se diminuí, em vez de aumentar,
A culpa é também minha?
Se hoje pudesse ser o que penso ser
E, pensando e sendo, acontecesse de crer
O que diria? Que evoluí?
Que me tornarei um revolucionário?
Se ontem eu sou me perdendo
E amanhã posso fugir me encontrando
Que mal há, me diga, em fingir que me engano?
Só pra te enganar.
E se eu escolher
Não mais me ser?
E se por livre e espontânea vontade
Eu quisesse que o que tinha sido,
Aquilo que tinha passado, caído,
Não me servissem de memória
Nem pudessem definir minha identidade?
E se eu não quisesse registros?
Se amanhã queimar meus registros
E não me tornar o sendo que ontem fui
- O que você tem a ver com isso?
Devo-te satisfações?
Devo-te?
Não lhe devo nada
Porque nem eu mesmo posso saber de mim
Se ontem fui o que não pude não ser
Se me arrependi e neguei minhas falhas e omissões
Se tanto faz o que fizesse que fosse,
Ainda que eu tivesse erro e errando e errará mais um montes
Ainda assim não me cabe o perdão?
Que me diz de você?
O mesmo todos os dias diante do espelho?
Cada dia um diferente a respaldar o cotovelo?
E no banheiro?
Nos banhos e nas espumas,
São quantos e quantas de você?
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