terça-feira, 5 de junho de 2012

A trilogia da erotização









Desobede-sendo


Não quero transferir tudo pras palavras.
Teu corpo e todo o desejo que sinto dele
Não podem ser traduzidos

A linguagem não é o que tenho de contato íntimo com o mundo
A linguagem é tudo aquilo do mundo que me falta

Faço linguagem com vazios que a vida me traga
Nas palavras, recrio as coisas belas que não possuo

Não quero te decodificar mulher
Minha poesia só quer te provar
O tipo de homem
que tua feminilidade me provoca
Provocado, me torno
Me torno algo que nem sabia ser
Uma parte minha que desconhecia

Não que eu queira uma ideia perfeita de você
Não quero você demais, nem de menos
Nem princesa, nem vadia, nem de canto
Só quero você em termos
Em pequenas parcelas doces

Quero seus sorrisos que não cabem nas minhas ideias
Quero a emoção de não saber nunca o que te dizer
Quando meu corpo reclama explicações

Mas as palavras não podem dizer
O que só os toques sabem comprovar
Nenhuma experiência é dedutível
A um conjunto organizado de sentidos
Nenhuma emoção (im)perceptível
Pode aproximar nossas libidos

Há algo de erótico e sensual
Impossível de ser descrito
Talvez seja meu ser transcendental
Que quer te devorar como num rito
Posso declarar-me ao final
Mas se disser que é só físico, minto
Quero algo teu que não tem nome
A este algo, nada parece igual






Buscando



Busco com meus olhos
Com meus dedos
Com minhas palavras

Busco com meus discursos
Com minhas trajetórias
Com minhas promessas

Busco com meu corpo inteiro
Com meu jeito faceiro
Com a sofisticação que me cabe

Busco com um palpite
Com uma história traumática
Com uma comédia engraçada

Busco com algum pequeno gesto
Busco com alguma atitude modesta
Busco você pelas partes
Busco você no todo
Busco você nas festas
E nas frestas, nas brechas do engodo

Busco com uma música deliciosa
Com uma passagem de livro recortada
Com uma figura pintada ou imaginada

Busco com a ponta do meu lápis
Com o molhado das minhas lágrimas
Com o sabor da minha saliva

Busco com amor ou ironia
Com fervor e hipocrisia
Como um desertor da ilha

Busco como se fosse única
Com o erotismo do nunca
Como circunstância muda

Eu vou te buscar na rua
Na muralha sentimental da China
Num samba do morro ou da Lapa
Numa festa de ribalta

Busco você num compasso
Com um passo de dança
Busco você e faço estardalhaço
Pirraceando igual criança

Busco você e se encontrar
Se te tocar
Com meus olhos, meus dedos e minhas palavras
Olha, eu sei lá
Mas vou continuar a buscar
Algo seu que está muito além de lá







Nós desatados


Moça bonita, menina guria,
Vamos ficar entre os jogos
Entre os olhares convictos
Entre a sorte dos toques

Vamos simular os mesmos caminhos
Só pra nos encontrarmos
Pelas beiradas, pelos cantos
Vamos confessar segredos pequenos
Entre afagos e encantos
Acalantos em praças
Instantes amenos

De novo nossos olhares
Agora lascivos, desejos na pele
Vamos nos conhecer em detalhes
Simular controvérsias estanques
Entre seduções de corredores
E trombadas de elevador

Serão tantos jantares, e cafés
E caminhadas pela praia
E contemplações de borboletas
E outros animaizinhos estranhos e lindos
Vai ser um comecinho fugaz
Não vai dar tempo mas vai vir de trás
E de costas a gente vai ser
Um do lado do outro
Ainda que não possamos saber

Vamos simular sorrisos
Que no fundo são ciúmes mal expressados
Vamos fingir simulacros
Pra não admitirmos a dor que causa
Toda a lindeza da nossa presença

Impossibilitados de nos amar
Por alguma convenção socio-moral qualquer
Vamos deixar pra lá
Fingir que uma aventura romanesca
Não poderia germinar
Simular que a lindeza do encanto
Não é semente a cultivar
E que o olhar cruzado de canto
No entanto, na praia e no mar
Nem simboliza assim, tanto
O sentimento que soubemos afogar
No peito, na memória e nos lábios
Com sorrisos falsos e calados.


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