Desobede-sendo
Não quero transferir tudo pras palavras.
Teu corpo e todo o desejo que sinto dele
Não podem ser traduzidos
A linguagem não é o que tenho de contato íntimo com o mundo
A linguagem é tudo aquilo do mundo que me falta
Faço linguagem com vazios que a vida me traga
Nas palavras, recrio as coisas belas que não possuo
Não quero te decodificar mulher
Minha poesia só quer te provar
O tipo de homem
que tua feminilidade me provoca
Provocado, me torno
Me torno algo que nem sabia ser
Uma parte minha que desconhecia
Não que eu queira uma ideia perfeita de você
Não quero você demais, nem de menos
Nem princesa, nem vadia, nem de canto
Só quero você em termos
Em pequenas parcelas doces
Quero seus sorrisos que não cabem nas minhas ideias
Quero a emoção de não saber nunca o que te dizer
Quando meu corpo reclama explicações
Mas as palavras não podem dizer
O que só os toques sabem comprovar
Nenhuma experiência é dedutível
A um conjunto organizado de sentidos
Nenhuma emoção (im)perceptível
Pode aproximar nossas libidos
Há algo de erótico e sensual
Impossível de ser descrito
Talvez seja meu ser transcendental
Que quer te devorar como num rito
Posso declarar-me ao final
Mas se disser que é só físico, minto
Quero algo teu que não tem nome
A este algo, nada parece igual
Buscando
Busco com meus olhos
Com meus dedos
Com minhas palavras
Busco com meus discursos
Com minhas trajetórias
Com minhas promessas
Busco com meu corpo inteiro
Com meu jeito faceiro
Com a sofisticação que me cabe
Busco com um palpite
Com uma história traumática
Com uma comédia engraçada
Busco com algum pequeno gesto
Busco com alguma atitude modesta
Busco você pelas partes
Busco você no todo
Busco você nas festas
E nas frestas, nas brechas do engodo
Busco com uma música deliciosa
Com uma passagem de livro recortada
Com uma figura pintada ou imaginada
Busco com a ponta do meu lápis
Com o molhado das minhas lágrimas
Com o sabor da minha saliva
Busco com amor ou ironia
Com fervor e hipocrisia
Como um desertor da ilha
Busco como se fosse única
Com o erotismo do nunca
Como circunstância muda
Eu vou te buscar na rua
Na muralha sentimental da China
Num samba do morro ou da Lapa
Numa festa de ribalta
Busco você num compasso
Com um passo de dança
Busco você e faço estardalhaço
Pirraceando igual criança
Busco você e se encontrar
Se te tocar
Com meus olhos, meus dedos e minhas palavras
Olha, eu sei lá
Mas vou continuar a buscar
Algo seu que está muito além de lá
Nós desatados
Moça bonita, menina guria,
Vamos ficar entre os jogos
Entre os olhares convictos
Entre a sorte dos toques
Vamos simular os mesmos caminhos
Só pra nos encontrarmos
Pelas beiradas, pelos cantos
Vamos confessar segredos pequenos
Entre afagos e encantos
Acalantos em praças
Instantes amenos
De novo nossos olhares
Agora lascivos, desejos na pele
Vamos nos conhecer em detalhes
Simular controvérsias estanques
Entre seduções de corredores
E trombadas de elevador
Serão tantos jantares, e cafés
E caminhadas pela praia
E contemplações de borboletas
E outros animaizinhos estranhos e lindos
Vai ser um comecinho fugaz
Não vai dar tempo mas vai vir de trás
E de costas a gente vai ser
Um do lado do outro
Ainda que não possamos saber
Vamos simular sorrisos
Que no fundo são ciúmes mal expressados
Vamos fingir simulacros
Pra não admitirmos a dor que causa
Toda a lindeza da nossa presença
Impossibilitados de nos amar
Por alguma convenção socio-moral qualquer
Vamos deixar pra lá
Fingir que uma aventura romanesca
Não poderia germinar
Simular que a lindeza do encanto
Não é semente a cultivar
E que o olhar cruzado de canto
No entanto, na praia e no mar
Nem simboliza assim, tanto
O sentimento que soubemos afogar
No peito, na memória e nos lábios
Com sorrisos falsos e calados.
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