
IDIOSSINCRASIAS DE ACASO, NÃO POR ACASO
Não por acaso, as idiossincrasias perfazem a natureza humana. A forma como reagimos aos mais diversos estímulos explica, em grande parte, a essência que pode estar conosco em dado momento. Mas cuidado: a essência é também uma idiossincrasia. A essência dos humanos, assim como os próprios humanos, transita. Mudamos de essência assim como mudamos de roupas. Isso não é bom ou ruim, estamos apenas assumindo o papel social mundano que uma sociedade doente está a nos exigir. Mudam a demanda, e logo tratamos de mudar a máscara.
Acho ridículo o fato de algumas questões políticas relevantes assumirem, sem muito esforço coletivo, contornos burlescos. É da natureza histórico-política brasileira o burlesco. Discutir um problema de forma burlesca. Agir de maneira burlesca. Negociar burlescamente. Nossa vivência política é a vivência de um teatro, na qual os atores assumem papéis de momento (indicando aí a plenitude da fisiologia). Nossos políticos, não Aqueles, mas todo e qualquer cidadão brasileiro assumiram que veem vantagem na hipocrisia sustentada. O teatro da política brasileira, já há algum tempo, vem assumindo a forma de um circo. Pinte-se de palhaço e adquira sua fantasia: o teatro, que se tornou circo, passa a ser a encenação de uma farsa corruptora.
Vestiu sua fantasia? Então podemos debater o ridículo da questão.
A comunidade unespiana, a comunidade francana e a sociedade brasileira como um todo possuem os seus problemas contumazes e próprios. Debater estes problemas é de crucial importância. Mas é importante também que escolhamos a forma como decidimos debater um problema. Podemos debater um problema numa assembléia ou num palco de teatro, diante de uma platéia. Podemos debater um problema sozinhos diante de um espelho, ou unidos em um coletivo unificado. A importância crucial da forma como escolhemos debater um problema de crucial importância reside tão somente na efetividade que pretendemos. É claro que toda discussão possui a sua finalidade. E esta finalidade pode, ou não, ser atingida. É uma questão de efetividade.
No teatro grego, a peça representava, como espelho imediato, as vicissitudes da cidade grega. O teatro era, e ainda é, uma forma de conscientização política por excelência. No palco, os atores descarregam a platéia de seus problemas sociais ao mesmo tempo que lhes revela qual sua verdadeira condição ou posição na sociedade. Um encenador francês chamado Bernard Dort explica que
“Num teatro de tipo aristotélico, palco e platéia são o espelho um do outro. O palco reflete a platéia; a platéia reflete o palco. O que se está representando no palco é a própria história dos que estão do outro lado da ribalta. A ação da obra, sua fábula, é a própria verdade de seus espectadores e o palco, literalmente, liberta a platéia da preocupação de sua história. Daí a catarse.”
Não sei se o povo brasileiro escolheu ter sua história representada num palco de teatro, onde uma farsa é encenada e sustentada há muito tempo. Não sei bem se o Congresso Nacional (o teatro da representação que se tornou o circo de uma farsa corruptora) foi uma escolha deliberada de nosso povo. De nós. Mas uma coisa é certa: o teatro representado no Congresso Nacional é o teatro que nos representa. Se não o escolhemos, ao mesmo tempo, não o negamos. E ele continua lá, cheio de palhaços. Uns até vestem fantasias. E outros, mais poderosos, já desistiram delas.
Tal qual no Congresso Nacional, inúmeras vezes assistimos na política a construção de palcos. Necessita-se palco e platéia para as deliberações políticas cruciais. Aqui e ali, circos são montados e são desfeitos, sem análises prévias ou relatórios ulteriores. Monta-se o palco, sustenta-se uma farsa, atinge-se uma finalidade efetivamente e o resto que se foda.
O palco da "elite intelectual brasileira", as universidades, seja (re)pública(das) ou privada, segue a mesma lógica. Às vezes precisamos assumir papel de palhaço, num palco e diante de uma platéia, para realizarmos conscientização política. Outras vezes, a consciência política está ali, embora não queiramos aceitar. Está ali, é uma consciência política podre, asquerosa, fétida, nauseabunda, inócua, imbecil e arrogante, mas não deixa de ser consciência política. Nós, daqui, não aceitamos de imediato porque achamos que consciência política é sempre algo positivo, que gera bons frutos na construção de uma sociedade mais madura e saudável. Nós daqui somos a exceção: a regra é a consciência política consciente e controladora, aproveitadora, hipócrita e fisiológica. Traidora. E para os que são daqui: aprendam a lidar com mais esta idiossincrasia.
O lugar que escolhi chamar de casa está em tempos de revolução cultural. Chama-se Unesp Franca, e é um sítio de diversidade. Neste sítio, alguns resolveram levar ao povo, à platéia, algumas questões relevantes. E isto é histórico aqui. A luta aqui é histórica. A luta, a conscientização, o debate marcam de maneira linda e delicada a consciência de jovens sonhadores que, sem alternativa, ou como alternativa, lutam.
Outros jovens, no entanto, preferem ser os palhaços de sua própria piada sem graça. E chamaram isso de democracia: montam um espaço congênere, cheio de gente das mais diversas classes sociais, econômicas e culturais (mas todos unespianos. Idênticos?). Depois que montam este espaço, dividem o espaço entre palco e platéia. Quem sobe ao palco sustenta sua farsa. Dá seus motivos e suas argumentações, opinando favoravelmente ou desfavoravelmente a um problema de crucial importância: uma festa. Chamaram isso de democracia: abriu-se a votação para que a platéia, ou o povo unespiano, escolhesse ter ou não ter sua festa. A escolha foi feita.
Chamaram isso de democracia: oprimir, mais uma vez, o grito do oprimido. E a questão política relevante, que subjaz a esta discussão? Morreu. A forma que o teatro assumiu substituiu o seu conteúdo. O mais importante não mais é a questão da homofobia na Unesp Franca, mas saber se vamos ou não vamos ficar bêbados em mais uma festinha que representará, mais uma vez, a acomodação de uma classe já acomodada pelos seus privilégios históricos.
Deixem-me dizer-lhes o que entendo por democracia. Deixem-me dar a minha vaga impressão do que tenho notado ser democracia. Vejo a democracia como um palco da pluralidade política onde os espaços são postos para que as pessoas se degladiem sem, contudo, aniquilarem-se. Lembra dos gladiadores romanos? Corrompidos, machucados, sangrando, ferindo uns aos outros, realizando seus conchavos, e ainda assim, vivos? A democracia é isso: é tão plural que permite a convivência da idéia de liberdade ao corpo ensanguentado que a sustentou.
Vivemos nessa democracia. E vivendo nela, posso afirmar algumas coisas sobre elementos que circulam pela comunidade unespiana. Há, na comunidade unespiana:
a) elementos homofóbicos e machistas. E mais ainda: há mulheres machistas que se vestem de feministas e homens homofóbicos que são também homossexuais. Talvez, pessoas que não se suportam consigo mesmas e precisam montar um boneco ou uma personagem para apresentarem a esta sociedade podre de valores. É o papel delas, dentro do nosso teatro;
b) elementos de perseguição a homossexuais, talvez não explícitos, que facilitem a minha percepção, a sua ou a alheia. Mas lembremos que o Brasil vive um período político no qual velhos e novos valores convivem num espaço pequeno. E, cá ente nós, porque você não fica sabendo explícita e diariamente, não acredita que há linchamentos, espancamentos, torturas psicológicas, torturas afetivas em qualquer espaço deste país, obscuramente, nos bastidores do que acreditamos ser real - ainda que seja na Unesp Franca?! Acreditam realmente nisso? Olhares maliciosos e conversas profanas, fofocas, não constituem perseguição pra você?
É por isso que afirmo, sem medo: é necessário realizar um debate sobre o "problema sócio-ético-cultural" acerca da opressão ao homossexualismo em nossa comunidade unespiana. MAS NÃO TOMANDO COMO MOTE UMA FESTA IMBECIL COMO É O MISS BIXO! QUE PORRA É ESSA?
Hoje está havendo uma disputa política no seio do corpo discente. O que está em disputa? Está em disputa a confirmação de um valor social, porque trata da inclusão e exclusão das pessoas. Está em disputa, ainda, uma questão moral e ética de impor uma cultura hegemonicamente por cima da outra; e, por fim, a disputa de uma questão juridica, afinal esse problema atinge, antes da dignidade humana do humano livre, a liberdade de um humano preso.
Essa questão atinge a liberdade de um ser humano considerado indigno por uma cultura corrupta e corruptora de se excluir os grupos mais fracos para sugar-lhes as qualidades que possuem, tão somente para que o grupo no comando mantenha e sustente seu poder operante. E são os vassalos deste poder operante da política liberal-burguesa que vomitam um monte de institutos jurídicos falidos para defender a salvaguarda de uma questão que necessita ser escancarada. Este juridiquês burocrático dos tribunais apenas anula, ou afasta temporariamente, a questão da condição humana, mais em jogo do que a parafernália e os brinquedos do mundo hipócrita do direito. De um direito que é a encenação de uma farsa num palco, para determinada platéia.
Independentemente de tudo isso, é preciso que sejamos cautelosos e afetivos. Não julguemos nem calculemos o tempo que as pessoas possam, eventualmente, demorar para tomarem consciência de seus dramas. Nossos piores medos são tão presentes e imediatos que preferimos negá-los do que enfrentá-los. Sabe por quê? Por medo. E isto é também uma questão jurídica, porque um ser humano com medo é um ser humano anulado, indigno e impotente.
Um comentário:
apesar de não acompanhar a polêmica de perto, o texto foi elucidativo.causou, causa arrepios, advindos da lucidez e combatividade para negar as opressões mais sorrateiras e recônditas que é de costume aceitar!sua linguagem textual constitui uma das formas de desmantelar, desmascarar essa corja que continua escamoteando a realidade por meio de suas máquinas, códigos. todos temos preconceitos perniciosos. a diferença está nas pessoas que decidem vasculhar, entender as imposições injustas, desculpe o pleonasmo. e daí, lutar contra elas. e aquelas que negam a todo custo as injustas. no entanto, continuam sendo palhaços de um teatro obsoleto, cuja platéia não sabe quando ri e quando que chora.
Postar um comentário