sexta-feira, 22 de junho de 2012

Meu primeiro amor


"A carruagem do passado não nos leva longe"
Máximo Gorki


Meu primeiro amor


Estou num velório.
E tenho apenas 8 anos.
Um ser negro e peludo está numa caixa.
Não consigo aceitar.

Não consigo aceitar o fato de que se morre por tristeza.
Não aceito o fato de que eu tenha que sofrer a mesma tristeza agora.

Ele morreu por tristeza.
Morreu porque seu ente mais querido o deixou.
Agora, sinto um gosto estranho na boca
e na minha barriga uma dor inquieta
que me faz desejar morrer também.

Eu fiz um velório.
Este velório que faço perdura há 15 anos.
Velei meu primeiro amor original, e seu nome era Gorki.
O cachorro que mais me amou, a quem mais amei.

Como não sou diferente de ninguém
Não aceitei sua perda.
Assim como minha mãe não pode aceitar a perda de sua própria mãe.
Assim como meu pai não pode aceitar a perda de sua própria infância.

Tornei-me humano na falta.
Foi na ausência deste amor que tive que aprender a amar mais.

Este velório não tem velas.
Não tem pessoas nem enterros.
É um velório de alma e emoção.
De lágrimas que se esparramam por anos, com voltas e retornos infindáveis.

Talvez eu não queira velar outros que amo
se minha própria vida continua um velório que não terminou
- uma falta impossível de ser preenchida.

Mas não vou obturar meu desejo.
O Gorki não pode voltar
nem minha infância
nem meus pais voltarão quando forem.

Nenhum daqueles que amamos perdura.
Definhamos juntos no amor que depositamos neles
e eles se vão.

A vida adquire seu sentido na perda
e é neste velório constante que me sinto eternamente perdido.
Eternamente inaugurada a nova possibilidade
de amar mais, de novo, e outra vez,
depositando esta doçura emocional
nalgum ser da nossa vez.

Gorki, eu descobri minha falta inaugural. É você.

Um comentário:

NADIR disse...

ISSO É FELICIDADE...VC AMOU E SE SENTIU AMADO. O RESTO É SOBREVIVÊNCIA.